Declaração de Portimão – O contributo dos dirigentes socialistas locais e regionais em matéria de habitação – 5 de abril de 2024
A habitação a preços acessíveis precisa da Europa – a Europa precisa de habitação a preços acessíveis
Nós, políticos progressistas eleitos a nível local e regional, lamentamos que a falta de habitação a preços acessíveis, adequada, social e sustentável esteja a alimentar uma crise da habitação em toda a Europa, crise essa agravada pelo aumento do custo de vida e dos preços da energia, numa altura em que se intensificam as alterações climáticas. Esta crise afeta todas as pessoas, mas em especial os jovens e os idosos, as famílias monoparentais, as comunidades racializadas, a comunidade LGTBQI, as pessoas com deficiência e outras minorias desfavorecidas. As mulheres são ainda mais afetadas pela falta de habitação a preços acessíveis, devido às disparidades salariais e de pensões entre homens e mulheres, que muitas das vezes conduzem a dependências no âmbito de relações violentas.
Consideramos que a habitação deve figurar entre as nossas principais prioridades políticas para as eleições europeias de 2024 e apelamos à elaboração de um plano europeu para a habitação a preços acessíveis. Para nós, a habitação é uma necessidade humana básica e um direito fundamental que cumpre salvaguardar para todos. As políticas de habitação têm de ser concebidas de modo a servir o bem comum e a criar uma boa qualidade de vida para todos, num futuro sustentável.
Reconhecemos que os níveis nacional, regional e local são os responsáveis pelas políticas de habitação e que a União não tem uma competência expressa nesse domínio. No entanto, os objetivos primordiais do Tratado incluem a necessidade de reforçar a coesão económica, social e territorial. Além disso, nos domínios da regulamentação financeira, do direito da concorrência, da eficiência energética, das normas regulamentares e de planeamento, da política de coesão, da ação climática e da política social e urbana/rural, a União Europeia pode fazer a diferença no que toca à habitação para o bem comum.
A UE tem de adotar medidas resolutas para assegurar que o direito oponível à habitação para todos se torne realidade. Salientamos igualmente que os órgãos de poder local e regional são indispensáveis para aplicar e adaptar as políticas nacionais e da UE à realidade no terreno, em parceria com promotores de habitação pública, cooperativa, social e sustentável a preços acessíveis, bem como com as organizações de arrendatários e residentes. Não há uma solução única para o problema da habitação na Europa: a subsidiariedade é fundamental para alcançar uma habitação digna, segura e a preços acessíveis para todos.
Dezenas de milhões de europeus estão sobrecarregadas com despesas em habitação, o que mostra a necessidade de disponibilizar habitação social e a preços acessíveis na Europa. Em termos concretos, no final de 2023, as rendas médias na UE eram quase 25% mais elevadas do que no início de 2010, e em meados de 2023 o custo médio de uma habitação na UE era quase 50% mais elevado do que em 2010. Além disso, 17,1% da população da UE vive em casas sobrelotadas e 10,3% gasta mais de 40% dos seus rendimentos em rendas. Um terço dos cidadãos da UE vive numa habitação arrendada. Os arrendatários do mercado do arrendamento privado encontram-se numa situação especialmente precária: 46% sentem-se em risco de ter de abandonar o seu alojamento nos próximos três meses, por impossibilidade de continuarem a pagá-lo, e relatam mais problemas de fraca eficiência energética do que os arrendatários abrangidos por outro tipo de arrendamento. Estima-se igualmente que o défice de investimento anual no setor da habitação seja de, pelo menos, 57 mil milhões de euros. Além disso, 47% dos jovens europeus com idades compreendidas entre os 18 e os 34 anos continuam a ver-se obrigados a viver na casa dos pais. Apenas 17% dos estudantes e jovens têm acesso a alojamento para estudantes. As listas de espera para habitação social não param de aumentar. A habitação é responsável por 40% do consumo de energia da UE e por 36% das emissões de gases com efeito de estufa da Europa. Todas as noites, na UE, pelo menos 900 000 pessoas sem abrigo dormem na rua ou em alojamentos de emergência, e muitas das vezes os recursos jurídicos e estruturais para evitar despejos são insuficientes. Ademais, a percentagem global de habitação social, pública e cooperativa tem vindo a diminuir há anos, tendo este problema sido agravado pela venda de habitação financiada com fundos públicos. A financeirização e a aquisição agressiva de habitação por fundos de grande dimensão contribuem para uma maior escassez de habitação a preços acessíveis, adequada e de qualidade, bem como para a escalada das rendas.
Neste contexto, as políticas, legislação e fundos da UE têm de contribuir para uma habitação digna, segura e a preços acessíveis para todos, que cumpra os objetivos climáticos e possibilite a criação de comunidades sustentáveis e inclusivas. Estamos empenhados em fazer da habitação um direito humano a integrar obrigatoriamente num modelo de governação a vários níveis que sirva o bem comum, criando assim melhores condições de vida para as gerações presentes e futuras.
Para a reunião a realizar em Portimão, em 5 de abril de 2024, propomos as seguintes medidas:
- Apoiar a habitação para o bem comum: reforçar as competências de apoio da UE, a legislação da UE, o financiamento e os conhecimentos, para preservar e melhorar as políticas eficazes de habitação em todos os Estados-Membros, regiões e municípios da UE.
- Fazer da habitação um direito humano: continuar a aplicar o Pilar Europeu dos Direitos Sociais (em especial o princípio 19) e as iniciativas do plano de ação conexo através de programas e regimes, incluindo financiamento, para evitar ao máximo a condição de sem-abrigo e resolvê-la rapidamente sempre que ocorra. A erradicação sustentável da condição de sem-abrigo é mais humana e eficaz em termos de custos do que a sua gestão.
- Aumentar o investimento público na habitação mediante a inclusão, no Semestre Europeu e nos planos orçamentais-estruturais, de indicadores revistos relativos à sobrecarga das despesas em habitação e à pobreza energética, especialmente no que diz respeito às desigualdades de género, bem como de uma meta quantitativa de investimento público nacional em habitação pública, social e a preços acessíveis em todos os Estados-Membros da UE, prevendo sanções financeiras em caso de incumprimento da mesma. O retorno social a longo prazo do investimento no setor da habitação deve ser plenamente tido em conta nas regras relativas à dívida pública e ao défice. Apelamos igualmente à introdução de uma taxonomia social para aumentar o investimento privado em habitação a preços acessíveis, social e sustentável.
- Aproveitar o próximo período de financiamento do Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER) para construir novas habitações sociais em todas as regiões europeias e assegurar que todos os projetos de habitação que envolvam fundos da UE afetem 30% dos fundos a habitação social e a preços acessíveis para os agregados familiares com rendimentos médios e baixos. Propomos igualmente um aumento do investimento do FEDER nos transportes públicos, nos serviços de saúde, no ensino secundário e superior e em espaços verdes nos bairros residenciais periféricos afetados pela segregação.
- Apelar para que o investimento relacionado com a habitação ao abrigo da política de coesão seja complementado, a partir de 2026, por um instrumento europeu de investimento que suceda ao Instrumento de Recuperação da União Europeia e afete pelo menos 10% do investimento a habitação a preços acessíveis.
- Desenvolver a inovação no domínio da habitação a nível europeu. Para resolver a crise da habitação, incluindo as suas dimensões relacionadas com o género, o envelhecimento e o ambiente, é fundamental o intercâmbio de boas práticas através da criação de uma plataforma específica da UE para a habitação para a recolha de dados, a adaptação das normas regulamentares e o desenvolvimento de formas inovadoras de gestão da habitação, nomeadamente através de habitação de base comunitária, cooperativa ou em regime de copropriedade.
- Reconhecer a habitação social e a preços acessíveis para todos – e não apenas para as pessoas desfavorecidas ou os grupos socialmente menos favorecidos – como um serviço de interesse económico geral (SIEG) e instar a próxima Comissão Europeia a alterar a decisão relativa à isenção dos SIEG, de modo que os Estados-Membros, as regiões e os municípios tenham a possibilidade de criar regimes de auxílios estatais ao abrigo dessa decisão, incluindo regimes que beneficiem os agregados familiares de rendimento médio.
- Desenvolver uma «verificação da acessibilidade dos preços da habitação» a nível dos Estados-Membros, sobretudo para resolver a condição de sem-abrigo, e estabelecer um conjunto comum de indicadores que meçam essa acessibilidade a nível europeu.
- Formular uma estratégia da UE para lutar contra a condição de sem-abrigo, tendo por base a Plataforma Europeia de Luta contra a Condição de Sem-Abrigo, dotada de um orçamento operacional e de um programa de trabalho para o período de 2024 a 2030, e adotar uma recomendação do Conselho sobre a erradicação da condição de sem abrigo.
- Estabelecer um plano da UE para fazer face à crise do alojamento para estudantes, a fim de reconhecer que os estudantes de toda a Europa se deparam com uma considerável falta de alojamento disponível e a preços acessíveis.
- Reconhecer que o arrendamento de curta duração compromete os direitos dos arrendatários e perturba as comunidades locais, provocando deslocações e gentrificação. Exigir a plena aplicação do novo quadro da UE para regular o arrendamento de curta duração e atenuar o impacto das plataformas digitais de arrendamento de curta duração nos mercados da habitação, em especial no que diz respeito às obrigações das plataformas de cumprir as regulamentações locais e regionais e de informar os órgãos de poder local e regional sobre as unidades habitacionais utilizadas para arrendamento de curta duração.
- Estabelecer, com os municípios e regiões europeus e com o apoio das organizações de arrendatários, um quadro comum para o controlo dos preços locais do arrendamento e sistemas de estabilização das rendas. A União Europeia deve incentivar os Estados Membros e os órgãos de poder local e regional a fixarem limites máximos para as rendas e a estabelecerem uma ligação entre as rendas e o desempenho energético dos edifícios, aplicando o princípio da neutralidade dos custos da habitação após renovações.
- Reforçar a vigilância da Comissão Europeia em termos de regulação do mercado no setor da habitação, adotando medidas para combater a especulação e o branqueamento de capitais no mercado da habitação a nível da UE, através de um registo de transparência das transações imobiliárias à escala da UE que inclua o beneficiário efetivo do imóvel em questão, assegurando assim que todos os arrendatários conhecem a identidade do proprietário. Através do combate à financeirização e da regulação do mercado da habitação, evitaremos, por um lado, tendências predatórias estabelecidas por grandes investidores imobiliários com fins lucrativos e, por outro, o fenómeno dos edifícios vazios e não utilizados.
- Criar um escudo europeu da habitação inspirado na Garantia para a Juventude e na Garantia Europeia para a Infância, a fim de garantir que os europeus de todas as idades gozem de um direito oponível a uma habitação digna, e apelar para um direito universal a abrigo, com requisitos mínimos estabelecidos a nível europeu.
- Alargar a abordagem em matéria de renovação e circularidade, para fomentar cadeias de abastecimento locais, a criação de emprego de qualidade, as empresas sociais e a biodiversidade; eliminar gradualmente, até 2050, a utilização, na habitação, de sistemas de aquecimento com base em combustíveis fósseis, incentivar a instalação de sistemas de aquecimento e isolamento respeitadores do ambiente e criar programas de apoio financeiro, principalmente para os agregados familiares vulneráveis, para alcançar os objetivos de desempenho energético, em conjugação com obrigações de desempenho fixas no setor da habitação, a fim de reduzir as respetivas emissões e de proporcionar aos residentes poupanças de energia mensuráveis.
- Utilizar as receitas do sistema de comércio de licenças de emissão da UE (CELE) e do Fundo Social em matéria de Clima para financiar subvenções destinadas a ajudar os cidadãos vulneráveis da UE a renovar as suas casas e para financiar subsídios à habitação para fins relacionados com o clima destinados às pessoas carenciadas – gerindo este regime em conjunto com as regiões – e estabelecer uma política abrangente para superar a pobreza energética e assegurar que as iniciativas Onda de Renovação e a Iniciativa de Habitação Acessível tornem a habitação mais acessível em toda a UE.
- Promover novas normas estéticas e de conforto para a habitação em geral e para a habitação social e pública em particular, através da iniciativa Novo Bauhaus Europeu ou da Iniciativa Europeia para a Habitação Responsável, a fim de tornar a densificação das cidades mais aceitável, limitar a expansão urbana e aumentar a conceção conjunta e a participação dos residentes.
- Desenvolver a habitação intergeracional, sobretudo nos casos em que seja possível combinar arrendatários idosos com estudantes, aprendizes e estagiários, que, desse modo, beneficiarão de intercâmbios entre gerações e de custos da habitação preferenciais, e promover estas experiências no âmbito de projetos cofinanciados pela UE, a fim de reforçar a coesão e o desenho universal na Europa.
- Sensibilizar para a dimensão de género nas políticas de habitação: as disparidades salariais e de pensões entre homens e mulheres fazem com que as mulheres tenham mais dificuldades em encontrar habitação a preços acessíveis. Os critérios de atribuição de habitação social e a preços acessíveis devem ter em conta, antes de mais, a situação das famílias monoparentais, na sua maioria encabeçadas por mulheres, bem como a discriminação de que são vítimas quando procuram habitação.
- Solicitar à Comissão Europeia que, em parceria com o Comité Económico e Social Europeu e com o Comité das Regiões Europeu, organize uma cimeira anual da UE sobre habitação social e a preços acessíveis, que reúna todas as partes interessadas envolvidas na coordenação das ações dos Estados-Membros em matéria de habitação social e a preços acessíveis, com base numa abordagem a vários níveis e no respeito pelo princípio da subsidiariedade.
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